maio 17, 2025
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Cuidado, os sabichões querem seu cérebro! – 30/04/2025 – Sérgio Rodrigues


O sabichonismo linguístico é uma doença social oportunista que se aproveita da insegurança do falante médio, intimidado com a normatividade da língua, para convencê-lo de que contraria regras em série —todas imaginárias.

Por exemplo: “É pleonasmo vicioso dizer que um filme é baseado em fatos reais. Todo fato é real; se não for real, não é fato!”, grita o sabichão. (Por alguma razão, sabichões gostam de gritar)

É mentira dele, claro: além de existir algo que se chama ênfase, o mundo sempre foi —e em nosso tempo entortado para a direita é mais— cheio de fatos falsos, para não mencionar os hipotéticos, os fictícios, os que dependem de fé etc.

Mesmo assim, é comum que o fato sabichão seja acolhido. O mecanismo psíquico que nos leva a encarar quem nos “corrige” como detentor de um saber superior é o mesmo que garante o sucesso internético de vídeos como “você bebeu água errado a vida inteira: aprenda”.

Sim, todo mundo sempre usou a expressão “dois pesos e duas medidas”, de impecáveis credenciais bíblicas. Não há nada nela, sob nenhum aspecto, que esteja errado: refere-se a dois pesos (para a farinha) e duas medidas (para o tecido), artimanhas de comerciante desonesto. Aí vem o sabichão e, por saber pouco, anuncia na praça: “O certo é um peso e duas medidas!”.

O sabichonismo pode ser do tipo literalista, que eu chamo de podólatra da letra: “Não existe gol de bola parada, bola parada não entra”; “Risco de vida está errado, o certo é risco de morte”.

Também pode ter corte lógico-matemático, encrencado com a dupla negativa do português: “Se você diz que não viu nada, então viu alguma coisa”. Pode ser purista, amalucado: “O certo é ab-rupto”.

O único objetivo do sabichonismo é afirmar a posição de poder de quem o exerce. Embora seja muitas vezes diletante, seu caráter falsamente educativo faz com que assuma com frequência a forma de atividade profissional, caso em que provoca estragos maiores.

Como regra, sabichões exercem o sabichonismo por convicção. Estão convencidos da sabedoria de sua bobagem, que gostariam de ver abraçada por todos. No entanto, sobretudo nos casos em que a atividade produz ganho material, não se deve descartar a hipótese da má-fé.

A fragilidade do organismo social de que o sabichonismo tira partido –a autoconfiança precária que, como povo, sentimos diante de uma língua que é nossa e ao mesmo tempo não é– acaba, sob seus ataques, por se agravar.

Quando nos deixamos convencer de que o certo é “esculpido em Carrara” –em vez de “cuspido e escarrado”, bela versão lusófona de uma ideia presente no inglês “spitting image” e em outras línguas–, podemos ter a sensação inebriante de que nada no mundo é o que parece.

Contentes de descobrir tal joia perdida do conhecimento universal –”O certo é quem tem boca vaia Roma, buuu!”–, saímos espalhando a boa nova.

E assim o sabichão cumpre o seu papel final, reprodutivo, que é o mesmo dos zumbis: comer o cérebro do maior número possível de pessoas para transformá-las em sabichonas também. Todo cuidado com ele!


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Fonte: Folha

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