Para ter escola antirracista, não basta abrir a porta – 09/05/2025 – Educação

Pouco antes do feriado, uma aluna bolsista de 15 anos do Colégio Mackenzie foi encontrada desacordada num banheiro da escola. A Polícia Civil apura a possibilidade de tentativa de suicídio. Em boletim de ocorrência, a mãe alega que a adolescente vinha sendo chamada de “cigarro queimado” e “lésbica preta” desde 2024 e que avisara a direção “sem retorno efetivo”.
O colégio afirma ter prestado socorro imediato, aberto sindicância interna e oferecido apoio psicológico à família. O caso continua sob investigação. Não é o primeiro nos últimos cinco anos, desde que pais de escolas de elite paulistana passaram a demandar a criação de projetos antirracistas nas escolas. É mais um sinal do quão frágil pode ser a inclusão quando o racismo é tratado como incidente individual, não como problema institucional.
No Colégio Equipe, em Higienópolis, episódio recente seguiu rumo distinto: depois de dois alunos negros serem abordados por seguranças de um shopping, estudantes, famílias e professores se organizaram — camisetas “Equipreta” à mostra — para um protesto público e a leitura de manifesto antirracista.
A mobilização nasceu de uma comissão de quase 130 pais que, desde 2020, pressiona a escola por currículo afrocentrado, mais docentes negros e protocolo claro contra injúria racial. A reação imediata exemplifica o que pode acontecer quando a comunidade escolar já se reconhece corresponsável pelo enfrentamento do racismo.
Os dois casos revelam o mesmo ponto: a presença de estudantes negros ou bolsistas de baixa renda não garante, por si, inclusão. Colégios de elite foram historicamente desenhados para um público culturalmente homogêneo. Sem reformar currículo, quadro docente, regras de convivência e relação com as famílias, o aluno negro continua sujeito ao isolamento —e, em situações extremas, ao adoecimento.
Currículo vivo
A Lei 10.639/2003 obriga o ensino da história e cultura afro-brasileira, mas ainda não está efetivamente implementada no país. Investir em formação e em materiais que promovam a discussão das contribuições dos negros às ciências e outras áreas é formar cidadãos capazes de reconhecer —e respeitar— a diversidade do país.
Representatividade docente
Um estudo com 100 mil alunos da Carolina do Norte mostrou que crianças negras de baixa renda que tiveram ao menos um professor negro no fundamental apresentaram melhor desempenho acadêmico e risco 39% menor de abandonar a escola. Quase inteiramente brancas, escolas sinalizam, ainda que sem intenção, que poder e saber não são lugares para os negros.
Regras que valem
Racismo não se desfaz apenas com aula de história. “Desaprender” é um processo de toda a comunidade, não só dos estudantes. Comissões de responsáveis, rodas de conversa e assembleias abertas reforçam a coerência entre discurso escolar e práticas familiares. Também é importante a adoção de um protocolo específico para o racismo: canais seguros de denúncia, apuração independente, sanções proporcionais e atenção psicológica às vítimas.
Há mais de uma década, a Emei Nelson Mandela —referência pública em educação infantil antirracista— respondeu as pichações racistas em seus muros pintando os mesmos com as próprias crianças e lendo publicamente um Manifesto Antirracista. Com apoio de pais e vizinhos, toda a comunidade tornou o racismo visível —e inaceitável.
Abrir vagas para bolsistas é passo necessário, mas insuficiente. Sem um currículo antirracista, docentes diversos, protocolos sérios e famílias engajadas, a escola reproduz o Brasil que fingimos não ver. Mudar a casa exige recursos, formação contínua e determinação: salva vidas, amplia horizontes e educa melhor a todos. Se queremos um país menos desigual, comecemos onde o futuro passa horas diárias: na escola.